domingo, 20 de setembro de 2009

PRIMAVERIS




O Célio tinha finalmente convencido a Priscila a ir para a cama com ele. Chegara a primavera, havia pólen no ar, os pássaros gorjeavam e os hormônios se agitavam e a Priscila finalmente topara. Priscila, a universalmente cobiçada.

Depois do feito, o Célio chegou na mesa do bar se segurando. Precisava contar para a turma, mas tinha que ser com classe. E na hora certa. Esperaria que a conversa chegasse a um momento propício para a revelação e então diria, como se acabasse de se lembrar:

– Sabem quem foi que eu...

Mas a conversa não chegava ao tal momento propício. A mesa estava séria aquela noite. Mais do que séria, trágica. O Célio esperando a deixa, e a deixa não vinha. Ele se segurando, louco para contar, e sem encontrar uma brecha.

Discutia-se o futuro da humanidade num mundo em franca deterioração. A explosão demográfica e o aquecimento global. A crise de alimentos que se avizinhava. Para escapar da fome, não seria exagero especular que teríamos que recorrer à antropofagia. As pessoas se comendo umas às outras.

Foi quando o Célio viu sua brecha, e começou:

– Por falar nisso...



MESMICE


Alguém chegou a calcular a hora exata da Criação (quatro da tarde, de uma terça-feira), mas não se sabe se era primavera. Provavelmente sim, pois Deus queria testar a castidade das suas criaturas, Adão e Eva. E os colocou, nus, num jardim primaveril, para ver se resistiam. E a primavera foi mais forte do que Deus. Eles não resistiram, e provaram do fruto proibido. E Adão teve a primeira ereção da História, e avisou a Eva: “Chega para trás, que eu não sei até onde isto cresce.” E Adão e Eva exploraram todas as possibilidades dos seus corpos e esgotaram o assunto logo na primeira geração. Desde então, em matéria de sexo, a humanidade não tem feito outra coisa senão se repetir. O sexo não evoluiu. Nenhuma nova zona erógena foi descoberta, nenhuma técnica nova inventada ou desenvolvida em laboratório, depois de Adão e Eva. Claro, mudaram as atitudes em relação ao sexo, os antecedentes, as consequências, os métodos de abordagem, os paramentos (óleos perfumados, arreios, capacetes do Kaiser), mas a mecânica do, digamos, negócio continua a mesma desde que o homem é homem e a mulher, felizmente, é mulher. Ou o homem é mulher e a mulher é homem, o que também é muito antigo. As variações do sexo são contidas pelas limitações do corpo, o que explica a mesmice dos filmes pornô. Ou então eu é que tenho andado com a turma errada.

Luis Fernando Veríssimo

Postado por Adri

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