POR MIRIAM LEITÃO - JORNAL O GLOBO, 29/11/2009
De Copenhague, a capital temporária da Terra, muito se espera. Se havia alguma dúvida da importância do evento, ela foi afastada com os anúncios feitos pelos Estados Unidos e China. Nenhum sucesso está garantido, mas os derrotados de véspera perderam um argumento — ou dois — com a decisão dos maiores emissores de ter metas e preparar as malas para a Dinamarca.
Ser uma reunião importante não garante que será vitoriosa. Os governantes podem voltar para os seus países, no Natal, contando que o mundo perdeu uma grande chance de fazer um acordo histórico. Que o acordo seria insuficiente diante do que os cientistas estão pedindo como o mínimo, mas seria alguma coisa, só que fracassou. Pode ser essa a mensagem de Natal. Ou não.
Havia uma ponte no meio do caminho. Nas últimas semanas alguns países a cruzaram e isso produziu um salto qualitativo. Os Estados Unidos há um ano eram governados por um presidente que negava a existência do aquecimento global, nunca ratificou o Tratado de Kioto e censurou cientistas do governo que diziam a verdade inconveniente. Hoje, há uma lei aprovada na Câmara dos Representantes estabelecendo metas e regras federais para a transição para uma economia de redução de carbono, e o presidente Barack Obama anunciou que apresentará metas em Copenhague.
A China sempre disse que não sacrificaria seu crescimento e que não é responsável pelos gases emitidos no passado. Agora, o primeiro-ministro Wen Jiabao vai a Copenhague e a China tem metas. O Brasil sempre sustentou que como país em desenvolvimento não tinha obrigação de ter metas, por isso não as aceitaria.
Desta vez, voluntariamente as apresenta e o presidente Lula irá à reunião.
Cada país tem uma conta diferente, um parâmetro, uma data-base. Contudo, a Terra se move. Na matemática do clima, os 20% da Europa são maiores do que os 40% da China e pelo menos o triplo dos 17% dos Estados Unidos. Os números não são exatos porque se referem a anos e cálculos diferentes. A Europa voltará aos níveis de 1990 e ainda reduzirá 20%. Além disso, avisou que pode cortar mais. A Inglaterra já aceita 34% e avisa que sua tesoura está afiada para novos cortes.
Os Estados Unidos voltam a 2005 e cortam 17%. A China avisou que chega a 2020 emitindo menos do que estaria emitindo. Como o do Brasil, o chinês é um corte do futuro de emissões.
A China complicou mais e disse que cortará a intensidade de carbono no produto. Tanto China quanto o Brasil chegarão a 2020 emitindo mais que hoje, mas menos do que estariam emitindo se nada fosse feito.
O cálculo do Brasil é opaco, o da China é confuso, o dos Estados Unidos, insuficiente. Tudo somado, noves fora a Índia que pode virar um pária se nada anunciar, os países vão fazer menos do que o mínimo necessário pedido pelos cientistas para se limitar a dois graus o aumento de temperatura do planeta.
Mesmo antes de começar já se pode dizer que nunca houve uma COP como a 15.
“Quinze já? Para mim é a COP 1”, me disse um amigo.
Queria dizer que só agora prestou atenção na Conferência das Partes através da qual a ONU vem tentando, em reuniões anuais sucessivas, construir um acordo para reduzir os riscos da mudança climática. A de número 13, em Bali, fez um Mapa do Caminho até Copenhague.
A de número 14, em Poznam, na Polônia, decidiu aguardar Barack Obama.
A de número 15, agora, é diferente de todas pelo volume do barulho feito por cientistas, ativistas, governos, jornalistas, empresários, políticos, países de risco imediato, opinião pública, apaixonados e aflitos de qualquer natureza.
Esse barulho constrange e transforma. Por que países como China e Brasil abandonaram a desculpa histórica de que não são nossos os gases que hoje mudam o clima? Por que dois poderosos governantes, Barack Obama e Hu Jintao, recuam dias depois de uma tentativa de postergar o assunto por mais um ano? Porque há momentos em que se formam correntes e elas vão empurrando recalcitrantes.
Os brasileiros viram isso acontecer aqui. O governo sempre negou que faria o que passou a fazer, numa mudança tão rápida que ainda pega os novatos desinformados sobre pontos elementares do debate.
Pessoas do governo que sempre defenderam que o Brasil não deveria ter metas, agora mudam a conversa e apostam na falta de memória coletiva. Enfim, foi uma guinada brusca, mas na direção certa e no timing perfeito. Imagina se o Brasil não tivesse anunciado o que anunciou? Se o fizesse agora pareceria caudatário; se continuasse com a velha posição estaria isolado como a Índia.
O estudo divulgado semana passada, a “Economia da Mudança Climática no Brasil”, tentou fazer com o Brasil o que o economista Nicholas Stern fez em relação ao mundo: calcular o custo de não fazer nada e o custo de trabalhar para mitigar os efeitos da mudança climática. Ou seja, o preço da ação versus o preço da inação. O estudo confirmou o ponto de Stern, de que não fazer nada custa mais caro, e também disse que o Brasil pode crescer mais numa transição para a economia de baixo carbono.
O ministro Hilary Benn, da Inglaterra, me disse que em Copenhague cada país terá que pôr números na mesa, e um perguntará ao outro: que número você trouxe? O processo é mais complexo, penoso, e difícil do que isso, mas esse é um bom resumo de uma das principais diferenças entre esta reunião em relação a outras: todos terão de dizer quanto pretendem contribuir.
A outra diferença é esse clima que cerca Copenhague: o de que não há retrocesso tolerável, adiamento possível. O sentimento de urgência enfim chegou.
Fico feliz por nestes anos de vida poder estar vivenciando tantas mudanças, apesar de aparentes. Mesmo havendo um aquecimento global iminente, iniciamos uma reavaliação dos nossos atos, revemos conceitos. A palavra reduzir já aparece nos diálogos e não a progredir. Reciclagem e reutilização, não são mais vistas como sinal de ecoloucogistas mas de uma nova forma de economia. Sei que aparentemente seja insignificante a minha contribuição, mas assim como o beija flor que queria apagar um incêndio florestal e perguntado se ele realmente achava que iria apagar o incêndio, ele respondeu: "estou fazendo a minha parte". Ainda trago comigo uma máxima da ECO RIO 92 que tive a oportunidade de participar: "PENSAR GLOBALMENTE E AGIR LOCALMENTE". Carpe Diem
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